A inadimplência condominial na legislação chilena em comparação com a brasileira

17

jul | 2019

A inadimplência condominial na legislação chilena em comparação com a brasileira

No Chile, a própria lei de condomínio prevê a possibilidade de cortar a energia elétrica e o fornecimento de demais serviços essenciais dos inadimplentes, além de restringir o uso de áreas comuns aos mesmos.

Já no Brasil, os síndicos notoriamente conhecem a existência de entendimento predominante dos tribunais sobre a impossibilidade de cortar o fornecimento de demais serviços essenciais, como água e gás, e sobre a vedação à restrição de partes comuns como medida coercitiva a forçar o pagamento das cotas condominiais em atraso.

As justificativas encontradas nas decisões são as mais diversas possíveis:

  1. A lei já prevê expressamente as sanções aplicáveis ao caso concreto, como a multa e os juros moratórios;
  2.  É ilegal que o condomínio tome solução diversa ao caso concreto como a suspensão do fornecimento de serviço essencial, mesmo que por decisão da Assembleia, em lugar de buscar solução jurisdicional e coercitiva do Estado;
  3. Não é permitido que o condomínio exerça autotutela em face do condômino inadimplente;
  4. É abusiva e arbitrária a conduta do Condomínio ao interromper o fornecimento por conta própria, eis que tal prerrogativa somente pode ser legitimamente exercida pela concessionária de serviços públicos nos termos do Art. 6º, §3º, II da Lei 8987/95;
  5. As decisões consideram constrangimento ilegal por abuso do direito o cerceamento ao exercício de faculdades do domínio ao condômino em decorrência do inadimplemento das taxas;
  6. Há dano moral causado ao condômino em virtude do alarde na divulgação de sua condição de inadimplente com nítido ânimo de constranger, lesando a dignidade e os direitos da personalidade do indivíduo;
  7. A autonomia privada no estabelecimento das sanções impostas pela assembleia geral deve ser exercida nos limites do direito fundamental à moradia, do direito de propriedade e sua função social e outros, todos enfeixados no princípio-mor da dignidade da pessoa humana;
  8. Caracteriza submissão à situação inegavelmente vexatória, entre outros entendimentos.


Por outro lado, na legislação chilena, o Art. 5º da Ley 19537/97 (Ley de Copropiedadinmobiliaria) prevê expressamente que "El reglamento de copropiedad podrá autorizar al administrador para que, com elacuerdodel Comité de Administración, suspenda o requiera lasuspensión del servicio eléctrico que se suministra a aquellas unidades cuyospropietarios se encuentren morosos enel pago de tres o más cuotas, continuas o discontinuas, de los gastos comunes." Ou seja, a convenção do condomínio pode autorizar o síndico a suspender ou exigir, se aprovado em assembleia, a suspensão do serviço elétrico da unidade devedora de três ou mais parcelas, contínuas ou descontínuas, de despesas comuns.

Como se não bastasse, o Art. 13 da referida lei estrangeira autoriza ampliar a suspensão de fornecimento de serviços essenciais, sendo possível, inclusive, restringir o acesso do inadimplente e seus familiares ao uso de espaços de lazer, outras áreas comuns e, a titulo exemplificativo, vedar o uso da vaga de estacionamento a visitantes da unidade em mora.

Diferentemente, entretanto, é o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do nosso país:

Recurso Especial. restrição imposta na convenção condominial de acesso à área comum destinada ao lazer do condômino em mora e de seus familiares. ilicitude. reconhecimento.

1. Direito do condômino de acesso a todas as partes comuns do edifício, independente de sua destinação. inerência ao instituto do condomínio.

2. Descumprimento do dever de contribuição com as despesas condominiais. sanções pecuniárias taxativamente previstas no código civil.

3. Idôneos e eficazes instrumentos legais de coercibilidade, de garantia e de cobrança postos à disposição do condomínio.
observância. necessidade.

4. Medida restritiva que tem o único e espúrio propósito de expor ostensivamente a condição de inadimplência do condômino e de seus familiares perante o meio social em que residem. desbordamento dos ditames do princípio da dignidade humana. verificação.

5. Recurso especial improvido. (recurso especial nº 1.564.030 - mg (2015/0270309-0)

Civil. recurso especial. ação declaratória cumulada com pedido decompensação por danos morais. (...) inadimplemento de taxas condominiais. desprogramação dos elevadores. suspensão de serviços essenciais. impossibilidade. exposição indevida da situação de inadimplência. violação de direitos da personalidade. danos morais. caracterização. (resp 1401815 / es)


Em vista do direito comparado e, em atenção à normativa do Novo Código de Processo Civil, que determina que o juiz dirija o processo incumbindo-lhe determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias, questiona-se a possibilidade de requerer à concessionária de determinado serviço essencial o seu corte, assim como possibilitado pelo STJ a apreensão de CNH como meio coercitivo em casos de cobrança, entendendo não violar direito fundamental, neste caso, o direito de ir e vir.

Não se pretende aqui por uma pá de cal sobre o assunto, por óbvio. Quer-se estimular, à luz do direito condominial estrangeiro, em especial o latino-americano, cujos países histórica e culturalmente se assemelham ao nosso, uma série de discussões que possam incrementar o sistema jurídico brasileiro.
 

Amanda Torres Lobão

Amanda Torres Lobão

Especialista em Direito Imobiliário, Mestre em Direito Processual Civil pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP), Mestre em Direito Processual pela Universidade Nacional de Rosário da Argentina (UNR), Especialista em Grandes Teses Tributárias pela Universidade Tributária, Curso de Administração em condomínios por Prime Cursos.