Assembleia Virtual em Condomínios em tempo de Pandemia. Pode ou não pode?

21

mai | 2020

Assembleia Virtual em Condomínios em tempo de Pandemia. Pode ou não pode?

Após a pandemia coronavírus (covid-19) muitos síndicos e administradores têm se perguntado sobre a possibilidade de realizar assembleias virtuaisnos Condomínios, ou seja, de maneira “não presencial”.

 

Ao invés de aguardar o fim do confinamento social (quarentena) - que não se sabe por quanto tempo mais irá durar – e, diante das ordens governamentais, proibindo aglomerações de pessoas, como é o caso das assembleias, os síndicos já estão começando a se preocupar com às providências e deliberações que não podem esperar por muito tempo.

 

Isso porque, a realização de assembleia de prestação de contas é obrigatória por Lei[1] uma vez por ano; assim como a previsão orçamentária que é justamente o quanto o Condomínio irá arrecadar ou até mesmo economizar para o próximo exercício financeiro; a eleição ou reeleição do sindico e membros do corpo diretivo é de no máximo a cada dois anos e senão for realizada, dificulta em muito a gestão do Condomínio perante bancos, prestadores, terceiros etc.

 

Inclusive, uma situação muito preocupante diz respeito às obras emergenciais em uma edificação com bastante gente morando em confinamento, necessitando de qualidade de vida, além de higiene eprevenção (álcool gel, máscaras) etc.

 

Como é que o sindico vai conseguir realizar todas essas providências importantes aos condôminos sem aprovação prévia das arrecadações e dos rateios necessários, como determina a lei?

 

É muito temerária a recomendação de adiamentos das assembleiasfeita por alguns profissionais da área condominial, justificada pela impossibilidade de se reunir em assembleia. Ora, mais cedo ou mais tarde, o sindico não vai conseguir mais contratar, não terá poderes e autorizações dos condôminos para tanto. O sindico nada mais é do que um prestador de contas, age em nome dos seus condôminos que o elegeram.

 

É muito preocupante simplesmente deixar de realizar assembleia, podendo ser questionada a prestação de contas no nosso Judiciário. Isso sem falar nasinúmeras irregularidades que possam surgir nesses períodos, pois os síndicos estarão decidindo por conta própria, sem o aval dos condôminos.

 

Logo, discordamos veementemente daqueles que ainda defendem que os síndicos continuem praticando os atos de sua gestão (muitas vezes já vencidos) sem a necessária autorização da massa condominial, sob o argumento de que ao depois “ratifica” quando for possível realizar assembleia presencial. Pergunta-se: se por um acaso não forem ratificados aqueles gastos realizados? Como ficarão os síndicos?

 

É sabido que muitos síndicos e administradores já estão utilizando os recursos que possuem no“fundo de reserva” que é uma conta destinada a cobrir despesas emergenciais e imprevistas. Assim, costuma-se transferir o numerário para a conta ordinária e, com isso, dão um “respiro” às finanças que vencem todos os meses, como o pagamento de funcionários, os equipamentos de manutenção e limpeza etc.

 

Inclusive, muitos síndicos já estão demitindo ou fazendo acordos para o desligamento de funcionários custosos, enxugando ao máximo a folha de pagamento. Pois, a outra consequência da pandemia é justamente a “inadimplência” que disparou por conta das demissões em massa e também pelo fato de muitos condôminos não poderem trabalhar, pois em muitas cidades os prefeitos e governantes proibiram a abertura dos negócios, lojas e comércio em geral.

 

Não há problemas em utilizar o fundo de reserva para cobrir uma despesa ordinária, o problema está em deixar de recompor esse fundo, pois quando de fato surgir uma emergência (e.g. um vazamento) não haverá dinheiro para cobrir esse gasto inesperado e também não haverá como o sindico realizar uma assembleia extraordinária, afinal, é proibida a aglomeração social.

 

E não param por aí os problemas!

 

Muitos bancos exigem que o certificado digitalseja atualizado e também uma ata de assembleia registrada em cartório dando legitimidade para o sindico eleito ou reeleito movimentar a conta do condomínio. Contudo, como é que irá fazer assembleia de eleição ou reeleição nessa crise? Ou seja, o sindico precisa do certificado para acessar o banco e pagar as contas do condomínio, mas o mesmo está vencido ou não foi validado.

 

Já existe uma instrução normativa[2]tentando suprir essa situação, com a renovação automática dos certificados digitais, bastando uma simples declaração do sindico informando a impossibilidade de marcar assembleia presencial. Contudo, isso ainda não resolve o problema em definitivo, apenas adia a situação, pois os mandatos dos síndicos não podem ser renovados ad aeternum sem assembleia de condôminos.

 

Novamente, voltamos a indagação acerca da necessidade de se fazer uma assembleia, ainda que num ambiente virtual.

 

Existem no mercado plataformas e ambientes virtuais que permitem a realização de salas de reuniões para condomínios pequenos com até 30 (trinta) unidades ou até maiores com mais de 100 (cem) unidades. A questão é o custo desse novo serviço que acabou virando uma realidade.

 

Assim como já está ocorrendo com muitos profissionais que atuamhome office, inclusive, muitas empresas estão observando essa vantagem do funcionário poder trabalhar da sua casa por economia, principalmente, o custo do deslocamento no trânsito.

 

Pergunta-se: Porque a mesma assembleia presencial também não poderia ser virtual? Ou seja, os condôminos no conforto e na segurança (sem risco de contaminação) poderia participar da deliberação de TODOS os assuntos do condomínio, votando e exercendo o direito de manifestar a sua opinião?

 

Muitos síndicos insistem num argumento muito frágil, data vênia, para tentar justificar a proibição de uma assembleia virtual, dizendo que se a convenção não prevê expressamente que a assembleia possa ser “não presencial”.

 

Ainda não existem convenções tratando do assunto justamente porque o assunto é novo, nem os Tribunais foram questionados sobre o caso.

 

O que realmente é necessário observar para não haver problemas de invalidação e nulidades de uma assembleia de condomínio são duas regras básicas que já estão previstas na lei:

 

1ª TODOS OS CONDÔMINOS DEVEM SER “CONVOCADOS” PARA A ASSEMBLEIA.

 

As regras de convocação da assembleia e toda a solenidade exigida está escrita nas Convenções do próprios Condomínios.

 

O Código Civil, apenas trata genericamente do assunto, suprindo àquelas regras condominiais já previstas na Convenção, por exemplo, no artigo 1.352 do Código Civil[3]informa que as decisões serão tomadas em primeira convocação por maioria de votos dos condôminos “presentes”.

 

Ora, quando o Legislador aprovou este artigo há mais de uma década, não se cogitou na pandemia e na possibilidade das assembleias serem virtuais. Tanto que o texto da lei diz “presentes” só não diz “aonde”? O “local” não necessariamente precisa ser físico, logo, pode sim ser realizado “presencialmente”, porém em ambiente virtual.

 

Até porque, da leitura do artigo se depreende que o Legislador quis se referir aos condôminos que estiveram “presentes à assembleia”. Vale dizer, o quórum mínimo para aprovar uma deliberação (que não tenha quórum qualificado) é a maioria de quem estiver presente, sendo a decisão obrigatória para quem não quis participar da Assembleia. Logo, o texto legal se refere não à presença “física” mas sim a “participação” que pode ser em qualquer ambiente, até mesmo o virtual. Dizendo com outros falares, os condôminos que participaram (seja numa assembleia presencial ou até mesmo virtual) decidem pelos ausentes.

 

Inclusive,a regra básica de qualquer assembleia, até mesmo em ambiente virtual, é a que o administrador deverágarantir que TODOS os condôminos sejam regularmente convocados. Ou seja, se um condômino não for convocado, não conseguirá exercer o seu direito de participar e votar.

 

Não são poucos os casos de anulação de assembleia na Justiça que deixaram a desejar nesse quesito importante, dando até mesmo a sensação de decisões tomadas sem a transparência exigida.

 

Por isso, para realizar uma assembleia virtual, o administrador tem que garantir que todos sejam comunicados no mesmo prazo de antecedência previsto em Convenção, se houver, ou prazo razoável – não encima da hora.

 

Aqui não muda em nada a tradicional assembleia presencial, com a única diferença que no edital de convocação deverá constar a observação de que o “local” em que se reunirão os condôminos não será mais um ambiente físico, por exemplo, como no salão de festas do Condomínio, mas num ambiente “virtual”.

 

Por isso recomendamos aos administradores que já forneçam desde o edital de convocação o “caminho eletrônico” e todas as orientações necessárias, para que o condômino possa acessar a plataforma ou o aplicativo que irá propiciar a sua participação no dia e no horário previamente designado.

 

Nos Fóruns todo o peticionamento já é eletrônico e virtual, os advogados não precisam mais se deslocar até o Fórum (físico) para peticionarem aos juízes nos processos digitais que são seguros e com protocolo. Mais um exemplo de que a tecnologia virtual já está em nossas vidas já há algum tempo.

 

Recomendamos que o sindico ou administrador “garantam” que o condômino tenha acesso ao sistema virtual. Isso porque, muitos condôminos de idade avançada, podem ter problemas em não conseguir utilizar essas ferramentas modernas. E isso não é culpa deles! É certo que muitos de nossos queridos idosos não sabem sequer usar um aparelho celular mais moderno, porém, fazendo um paralelo com o sistema bancário, que hoje é todo on-line. Os nossos queridos familiares também deverão tentar utilizar essas novas ferramentas digitais, contando com o apoio das gerações mais jovens.Paciência e compreensão são às palavras chaves.

 

Por isso que os síndicos e administradores deverão pensar numa forma de “auxiliar” as pessoas que tenham dificuldades no acesso ao sistema que será virtual. Muitas vezes o problema é o próprio computador do condômino que não comporta mais o programa do aplicativo moderno. Este é o desafio. Mas não é impossível!

 

Alternativa interessante que vem sendo praticada por alguns síndicos e administradores é mesclar uma assembleia virtual com a presencial, ou seja, com a participação de pouquíssimos condôminos que não conseguiram acessar a plataforma. Alguns sindico até utilizam o salão de festas com cadeiras distantes e número restrito de pessoas, com um computador conectado àinternet, para suprir essa questão pontual de acesso dos condôminos.

 

2ª TODOS OS CONDÔMINOS DEVEM “PARTICIPAR E VOTAR”.

 

O que adiantará convocar virtualmente, se na hora de realizar a assembleia no ambiente virtual, der problema de conexão ou, por exemplo, nem todos conseguirem acessar a plataforma de votação virtual? Seria frustrante.

 

Já existem plataformas e aplicativos seguros que contabilizam, registram, emitem relatórios e conseguem identificar quem participou, a que horas acessou, qual foi o voto e o seu resultado final.

 

Não iremos citar aqui os nomes das plataformas ou aplicativos digitais, basta o leitor pesquisa na internet que encontrará várias. Busquem por empresas sérias e que possam elaborar um sistema virtual que garanta a “fidedignidade”, a “participação” e a “votação” em ambiente virtual. Inclusive, muitas administradoras já possuem em seus sistemas plataformas para assembleia virtual, negociem e realizem.

 

Fazendo um paralelo com o sistema eleitoral brasileiro que é por meio de urnas eletrônicas.Antigamente muito se discutiu sobre a lisura na contagem dos votos, mas hoje todos aceitamos tranquilamente os relatórios prestados pelo nosso TribunalSuperiorEleitoral, afastando alegações de fraudes na votação.Portanto, devemos aceitar a lisura dos relatórios e dos certificados que comprovam o processo regular de contagem dos votos.

 

Arriscamo-nos a dizer que é mais provável que ocorram “falhas humanas”na contagem de votos presenciais que o no ambiente digital (por um computador), principalmente, sabendo que no Brasil existem assembleias realizadas altas horas da noite, com condôminos eleitos para presidir e secretariar, tendo estes mesmosjá trabalhado o dia inteiro e ainda tendo que conduzir uma assembleia, conferindo e contabilizar todos os votos, sem a mínima experiência para os trabalhos, como o fazem os nossos experientes administradores de Condomínios.

 

Por isso que um sistema de votação virtual e fidedigno, certamente evitará situações corriqueiras como dúvidas na contagem dos votos, principalmente, se houverem frações e dízimas. Um sistema de computador que já possui todas as informações cadastrais de cada um dos condôminos e ainda consegue calcular automaticamente o resultado, em frações de segundos, descontando os inadimplentes etc. Ora, esse é o futuro e não tem mais volta!

 

Logo, se o ambiente virtual conseguir dar toda essa segurança, garantindo que todos os condôminos foram “convocados”, puderam “participar” e “votar” às decisões condominiais, podemos concluir que o processo de assembleia virtual foi REGULAR e VÁLIDO.Nenhum juiz ou cartório irá impedir o registro de uma ata de assembleia virtual que contenha todas essas garantias, respeitando o que determina a LEI.

 

Certamente que surgirão muitos problemas para serem corrigidos e aperfeiçoados, haverá muitas assembleias virtuais defeituosas e sem a segurança necessária. Todos temos pleno conhecimento das dificuldades. Mas quem sabe essa “revolução tecnológica” iniciada por essa triste pandemia, não seja o divisor de águas para às mudanças nas assembleias em nossos Condomínios?

 

 

Sobre o Autor:

ALEXANDRE CALLÉ

OAB/SP 235.941

Advogado Especializado em Condomínios e Loteamentos. Sócio-Fundador do Escritório de Advocacia Callé. Foi Assessor Jurídico do Secovi-SP (Sindicato da Habitação). Palestrante, professor e articulista em jornais, sites e revistas especializadas. (www.advocaciacalle.com.br / alexandre@advocaciacalle.com.br).

 

[1] Código Civil Brasileiro (Lei 10.406/2002):

Art. 1.335. São direitos do condômino:III - votar nas deliberações da assembléia e delas participar, estando quite.

Art. 1.348. Compete ao síndico:I - convocar a assembléia dos condôminos;(...)VI - elaborar o orçamento da receita e da despesa relativa a cada ano;(...)VIII - prestar contas à assembléia, anualmente e quando exigidas;

Art. 1.350. Convocará o síndico, anualmente, reunião da assembléia dos condôminos, na forma prevista na convenção, a fim de aprovar o orçamento das despesas, as contribuições dos condôminos e a prestação de contas, e eventualmente eleger-lhe o substituto e alterar o regimento interno.

 

[2]Instituto Nacional da Tecnologia da Informação - Instrução Normativa nº 04 – de 07 de abril-2020, resolve:§ 1º Caso o mandato já tenha expirado, o representante deverá apresentar declaração de que não foi possível realizar nova Assembleia Geral Ordinária para eleição de sindico devido às restrições impostas pelas medidas de enfrentamento do COVID 19, a qual será incorporado ao dossiê do certificado.

§ 2º A declaração de que trata o parágrafo 1º deverá ser assinada preferencialmente utilizando um certificado digital válido ou, não sendo possível, poderá ser assinada de próprio punho e digitalizada.Art. 3º o certificado digital emitido utilizando os critérios de aceitação dispostos nesta instrução Normativa terá prazo de vigência máximo de 1 (um) ano. Art. 4º Esta Instrução Normativa entra em vigor na data de sua publicação, permanecendo em vigor enquanto perdurar o estado de emergência de saúde pública, decorrente do Coronavirus – Covid 19.(In: https://www.iti.gov.br/component/content/article?id=4143. Acessado em 20.05.2020).

[3]Art. 1.352. Salvo quando exigido quorum especial, as deliberações da assembléia serão tomadas, em primeira convocação, por maioria de votos dos condôminos presentes que representem pelo menos metade das frações ideais.

Alexandre Callé

Alexandre Callé

Possui especialização em Direito Imobiliário. O escritório presta assessoria jurídica para Condomínios (ou condôminos), Administradoras, Incorporadoras, Empresas do Setor e Consumidores em Geral.