O Jardim

11

nov | 2019

O Jardim

Aquele condomínio tem um belo jardim. Árvores frondosas, flores variadas e coloridas e folhagens exuberantes. Toda a vizinhança do bairro admira seu jardim. Embora ele esteja um pouco negligenciado, como se diz: meio largado... Folhas secas se amontoam juntamente com papel trazido pelo vento e pela falta de educação de alguns moradores, que simplesmente jogam no chão suas embalagens de supermercado e saquinhos vazios de banconzitos...

Porém o síndico é remunerado e muito bem remunerado. Como dizem os engraçadinhos, o “síndico gordo tem um gordo salário...” Já o zelador, este foi içado à condição de manager. Desfruta de um belo salário bem acima daquele previsto para a categoria. Não é incomum ver o zelador, em dias de reunião, vestido de terno Armani ou Hugo Boss. E sapato de cromo alemão (seja lá o que isso possa ser... Mas é ele quem diz: cromo alemão!...). Os empregados do condomínio também não ficam atrás, seus salários são, no mínimo, o dobro daquele de seus pares de profissão. Portanto, todo mundo que trabalha naquele condomínio está feliz. Menos o jardim. Este, pobrezinho, naturalmente bonito, está com ares tristes e se sentindo abandonado...

E eis que um dia de manhã as pessoas veem a fumaça surgindo no jardim, espessa, ameaçadora. Toda mundo corre para ajudar. Mas os hidrantes estão secos e as mangueiras de emergência sem manutenção não conseguem conter o fogo que se alastra pelo jardim. As pessoas ficam aflitas. “Oh o belo jardim!...” Ouvem-se as exclamações de pesar aflorarem de todos os cantos e muitas vindo da vizinhança.

O gordo síndico não sabe o que fazer. O manager, vestido apropriadamente para o evento, de mangas de camisa Pierre Cardin e calça idem, olha assustado, passa a mão no cabelo, faz ares de preocupação, mas não pode fazer muito mais que isso porque as mangueiras estão secas e imprestáveis e os extintores vazios.

Os vizinhos vêm acudir. Forma-se rapidamente uma comissão. Não se tem muito tempo porque o caso é fogo! Ouve-se ao longe a sirene dos bombeiros, que demoraram para ser chamados porque se perguntava se os bombeiros pediriam o AVCB, vistoriariam as mangueiras e os equipamentos de combate à incêndio. Enfim, paciência, tiveram que chamar os bombeiros...

O fogo comia solto e a comissão formada pelo síndico, manager, conselheiros e palpiteiros debatiam as “estratégias” a serem adotadas.

Vizinhos, todos voluntários, já estavam no jardim abafando o fogo, limpando o que podia ser retirado e ajudando como entendiam melhor.

Os bombeiros chegaram e depois de algumas horas o fogo tinha sido debelado. Foram embora, mas ficaram aquelas poças d´águas, enormes e pretas, sujas, com resíduos do incêndio espalhados por todo o belo jardim, que, a esta altura dos acontecimentos, já não estava mais tão bonito assim.

Uma comissão de vizinhos, todos aparentemente com boa vontade, se formou e foi falar com o gordo síndico. Propuseram fazer uma vaquinha para contratar uma empresa de paisagismo para recuperar o jardim, porém, pediram, gostariam de usufruir do jardim, fazer pic-nics com a família, instalar cadeiras para leitura e balanços para as crianças.

O gordo síndico disse que era impossível, pois se tratava de propriedade particular: “o jardim é nosso!” Disse enfaticamente.

O manager, do alto de seu agora terno de no mínimo R$ 10.000,00 (porque ele foi se trocar para comparecer de “forma digna!” na reunião), vaticinou:

 - É impossível compartilhar o jardim. Ele é nosso! E isso é uma questão de so-be-ra-nia! Falou assim, destacando as sílabas.

Agora o jardim tinha se tornado importante... Gordo síndico e manager pretendiam proteger sua “soberana propriedade” de quaisquer “ingerência estrangeira...”

A comissão se desfez sem nenhum resultado. Alguns resmungos de parte e outra. E o jardim continuou lá, com suas poças d´água, sujas, esperando o sol para secar e depois começar a feder. Até que alguém perguntou:

 - Mas que raio de soberania é essa que deixa as coisas queimarem, apodrecerem sem qualquer “ingerência” só para falar “é meu e ninguém tasca?”... Francamente, eu não entendo...

Charles Le Talludec

Charles Le Talludec

Charles Le Talludec - Advogado